20150828

O primeiro disco a gente nunca esquece

Anunciaram que Tug of War (1982), de Paul McCartney, será relançado em outubro em edição de luxo. O pacote inclui três CDs – o álbum original, em versão remixada e com faixas-bônus – e um DVD com videoclipes e bastidores. Por mais banal que seja, a notícia deflagra um processo nostálgico no colunista, mexendo com sua memória afetiva a tal ponto que o obriga a abandonar a pretensa isenção para confessar em primeira pessoa: esse foi o primeiro disco que comprei, muito antes de imaginar que um dia alguém me pagaria para escrever sobre música.

Foi também o primeiro trabalho de McCartney após o assassinato de John Lennon, em dezembro de 1980, e o primeiro depois do fim dos Wings (a banda que montou ao deixar os Beatles), no ano seguinte. Para produzi-lo, ele chamou George Martin, retomando uma parceria que vinha da época dos quatro rapazes de Liverpool e não se repetia desde 1973, com “Live and Let Die”. As gravações tiveram ainda as participações do velho parceiro Ringo Starr, Stevie Wonder e Carl Perkins.



Nada disso eu sabia nem me interessava quando entrei na Casa de Discos Record, a melhor (senão a única) do ramo na Laguna, com o dinheiro da mesada contadinho para arrematar uma cópia de Tug of War em vinil. O que importava era que tinha “Ebony and Ivory”, a música lenta com a qual eu tomava coragem para tirar a paixonite da escola para dançar na domingueira. Para mim, o verso “vivem juntos em perfeita harmonia” estava falando de nós, jamais de preconceito racial.



Com a vontade de ouvir a última faixa do lado B trocentas vezes seguidas devidamente saciada, fui conhecer o resto do LP. O cego que cantava o tal hit com McCartney aparecia em outra canção, “What That You’re Doing?”, “black” demais para a minha limitada & caucasiana bagagem sonora. “Get It” soava como o rock’n’roll da década de 50 que meus pais punham para sua adolescência. Apenas bem mais tarde eu descobriria como os convidados em ambas – Wonder e Perkins – eram gigantes.



Com perfeição pop, “Take it Away” (com Ringo) e “Ballroom Dancing” fechavam a relação de prediletas. Escuto o disco inteiro hoje e, para minha surpresa, percebo que essa lista não mudou – e aí não sei se comemoro ou lamento. As poucas certezas que restaram são que a fase em que não era cool gostar de McCartney ficou definitivamente para trás e que ter um disco dele como o número 1 da coleção engrandece minha pobre biografia. “Foi. Não será de novo. Lembre”, como diz Paul Auster em A Invenção da Solidão.

Orgulho do pai
Já que o papo é Beatles, dedique alguns minutos de seu precioso tempo para conhecer The Ghost of a Saber Tooth Tiger. O nome quilométrico batiza o projeto do casal Sean Lennon (o caçula de John) e Charlotte Kemp Muhl. Aqui, o herdeiro abandona aquele indie insosso que marcou seu início de carreira e, para orgulho do pai, vai fundo na psicodelia vintage. Eles estrearam em 2010, têm três discos e seu mais recente trabalho é um EP homônimo.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

Nenhum comentário: