20160809

A visita cruel do tempo chegou para ficar

Naquelas priscas eras pré-Aids, o Camisa de Vênus escandalizava já a partir do nome, então somente um anticoncepcional vendido com discrição em farmácias. Falar da banda significa lembrar de “bota pra f*”, a saudação que acompanhava seus shows. De como os baianos ridicularizavam o pop feito pelos bem-nascidos e comportados moços do eixo Rio-São Paulo em plena década de 1980. Do desbocado LP ao vivo lançado em 1986 com oito (de um total de 10) faixas censuradas. É com esse crédito de provocação, deboche e virulência que o grupo chega ao sexto disco de estúdio em 35 anos de carreira, Dançando na Lua.



O single que abre o álbum, “A Raça Mansa”, mostra que a velhice não amenizou a verve do vocalista Marcelo Nova. Estão lá a mordacidade, a acidez e a ironia à (re)conhecida hipocrisia brasileira. Na parte musical, idem. Impera o rock honesto, robusto, que dispensa penduricalhos e modismos para honrar as calças que veste. Tudo muito louvável, mas é justamente aí – no fato de, na essência, continuar o mesmo – que o Camisa de Vênus flerta perigosamente com a autoparódia. Não se trata de querer que a banda soe como nos primórdios, e sim de que sua produção atual desperte sensações que não a saudade de seus clássicos.

Para não dizer que não houve mudanças, da formação original permanecem apenas Nova e o baixista Robério Santana. Uma das guitarras é defendida por Drake, filho do vocalista. Mas, por melhores que possam ser, petardos como “O Estrondo do Silêncio” e a canção-título só conseguem remeter ao verso de “Lena” (1984): “Veja o que o tempo faz com as pessoas que não querem perder o gás”. Com uma extensa folha corrida de bons serviços prestados ao controverso rock nacional, o Camisa de Vênus está longe de perder esse gás. O chato é que hoje ele não faz mais efeito em quase ninguém.

Trilha estranha
Os anos 80 registraram a ressaca punk, as cores da new wave, o surgimento do rap, a grandilo­quên­cia do rock de arena. Por isso, sempre que algo se propõe a compilar os hits dessa época, esbarra no dilema: que onda da década irá enfocar? O seriado Stranger Things (Netflix) não esquenta a cabeça com esse detalhe e, fiel à diversidade do período, tece uma colcha de retalhos em sua trilha sonora. Nela cabem de remanescentes hippies (Jefferson Airplane) a hits esquecíveis (Toto), passando por figuras carimbadas como Echo & The Bunnymen, Clash e o Joy Division do suicida Ian Curtis, entre outros.




 ANÇAMENTOS



Cachorro Grande, Electromod – A matilha gaúcha volta a latir sob os auspícios da produção esperta de Edu K (o mesmo de Costa do Marfim), disposta a se livrar do estigma de banda retrô. Nesse sentido, vale até tirar sarro de militantes de esquerda, como na faixa-título. Afinal nada mais moderno do que o conservadorismo da juventude.



Hellbenders, Peyote – O cerrado do Centro-Oeste não é o deserto californiano, mas a banda goiana não deixa nada a desejar ao stoner rock empoeirado, viscoso e nocivo das matrizes do gênero. São oito doses urgentes de pauleira condizentes com as propriedades mágicas do cacto que batiza o disco. Consuma sem moderação.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

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