20160816

Sempre terno e quentinho na zona de conforto

Graças à precipitação da internet, já vazou nos melhores piratas do ramo o novo disco do Teenage Fanclub. Isso quer dizer que não é preciso mais esperar até a data oficial de lançamento, 9 de setembro, para escutar Here de cabo a rabo, familiarizar-se com cada refrão e restaurar a fé na humanidade. Enquanto a banda estiver em atividade, a promessa de um mundo menos descartável nunca deixará de ser cumprida. Pois pouquíssimos representantes da cena atual podem batizar um single de “I’m in Love” sem ironia e não parecer meio bobocas. Esses escoceses podem. E a gente acredita, sofre e sonha com eles.



O Teenage Fanclub é como aquele carinha que, na época da universidade, não era valorizado porque havia concorrentes mais bonitos, mais fortes e/ou mais ricos. Com o passar dos anos, porém, só ele manteve o mesmo manequim e a mesma quantidade de cabelos. Da estreia em 1990 até agora, o grupo viu o grunge surgir, o rap se popularizar, a eletrônica virar axé – e, salvo um ou outro arroubo de guitar band, continuou a beber de The Byrds e Big Star até forjar sua própria concepção de pop. Ora bucólico, ora faceiro, mas sempre naquela cadência que, neste décimo trabalho, desemboca em “Hold on” ou em “I Have Nothing More to Say”.

O que se configura em um problemaço para a maioria dos artistas – parar no tempo –, no Teenage Fanclub funciona como uma bênção. É justamente essa certeza que a torna tão adorada; essa garantia de que, não importa a moda vigente, em qualquer álbum da banda haverá um punhado de canções extemporâneas como “Steady State”. Para Norman Blake, Raymond McGinley e Gerard Love, os três remanescentes da formação original, “zona de conforto” é onde escolheram ficar. Seja qual for, deve ser um lugar imune aos solavancos da indústria da música, terno & quentinho como o mais belo poente.

Ladainha estéril
A nova série do Netflix, The Get Down, parte de um drama fictício tendo como pano de fundo o surgimento do hip hop. Imagine como um enredo desses poderia ser embalado com pioneiros como Grandmaster Flash, Sugarhill Gang, Kurtis Blow e demais bambas do período. Mas nenhum deles aparece na trilha sonora, recheada de nomes irrelevantes. Tirando uma Donna Summer aqui, um Fatback Band ali – exemplos da disco e da black music na transição para o ritmo e poesia das ruas –, impera uma ladainha estéril. Não dava mesmo de se esperar muita coisa de uma coletânea que abre com Jaden, filho de Will Smith.




 ANÇAMENTOS



Thee Oh Sees, A Weird Exists – A guitarreira de garagem faz do grupo de San Francisco um dos mais cults da nova safra. Nova, vírgula: o grupo perambula por aí desde 1997 e, a cada lançamento, reforça sua crença inabalável na zoeira. Ouça o single “Plastic Plant” e descubra que barulho e melodia podem atordoar juntos.



The Outs, Percipere – Em seu primeiro disco cantado totalmente em português, a banda carioca aborda a percepção como tema principal. O conceito, para lá de abstrato, fica bem claro em “Ainda me Lembro”, psicodelia setentista que desarma a mente e prepara o espírito (ou vice-versa) para a diversidade de estilos que vem a seguir.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

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