20170207

Toda a emoção do palco em sua casa

Um colega do jornal chega esbaforido e, rápido como quem rouba, anuncia que tem uma sugestão à coluna. Como anda percorrendo as praias do nosso litoral em busca da melhor informação veranil para a família catarinense, a vermelhidão em sua cara facilita conclusões precipitadas. Não é a ação inclemente do sol de janeiro, entretanto, o motivo do rubor que lhe tinge a expressão. “A gente viaja ouvindo direto o rádio no carro da firma. Sertanejo comanda. Mas já reparou que a maioria é ao vivo?”, desabafa, procurando cumplicidade.



O coitado gosta de Nenhum de Nós, não está acostumado com as vicissitudes da indústria do entretenimento. Se tivesse mais maldade no coração, teria notado o quanto a prática está disseminada: na década de 1990, pagodeiros e grupos de axé já banalizavam o ato de registrar uma apresentação e lançá-la em CD e DVD. O suposto artista gravava um disco e, conforme a receptividade, mandava um “ao vivo” na sequência – isso quando não recorria ao descaramento de uma coletânea com o best of de uma carreira que havia recém-iniciado.



Nem sempre foi assim. Houve um tempo em que os lives eram quase um direito conquistado depois de muitos anos fazendo sucesso. Compare se e em que momento figuras históricas da música popular proporcionaram ao fã a oportunidade de “levar para casa toda a emoção do palco”. Na atual safra, tem até quem estreie com disco ao vivo. A plateia cantando junto cada verso dá a sensação de legitimidade ao fenômeno. Daí a achar que o respaldo da público basta para justificar qualquer caça-níquel produzido em seu nome, vai uma longa distância.



O processo é lento
Beyoncé, Kanye West, Frank Ocean, Drake e Solange são alguns dos artistas que já se valeram do talento de Sampha. Com uma clientela desse quilate, o disco do produtor e cantor britânico nem tinha saído e já estava sendo saudado como um dos melhores do ano. Process situa-se na frequência R&B e soul dos artistas com os quais ele já trabalhou, apesar de não contar com a mesma pegada pop. O repertório apresenta-se mais “adulto”, nem por isso menos cativante. Não, não vai dividir águas nem provocar debates acalorados, mas o single “Blood on me” e a balada “(No One Knows me) Like the Piano” convencem a escutar o resto com mais predisposição para gostar.




 ANÇAMENTOS


Eletrique Zamba, Vol 1 – A dupla do Piauí formada pela voz de Fábio Crazy e pela guitarra de Lívio Nascimento esbanja referências sobre uma base que acena para o samba, MPB e reggae. Uma atração extra para os catarinenses é o depoimento sampleado de Gilberto Gil em “4i20 Toda Hora”, falando de sua prisão por porte de maconha em 1976 em Florianópolis. O disco pode ser baixado gratuitamente no bandcamp dos rapazes.



Jungle Fire, Jambu – A hortaliça que adormece a boca e enlokece a lyngua, típica do Norte do Brasil, batiza o segundo disco da trupe americana fazendo efeito em outra parte do corpo: a cintura, que não para de mexer com o afrobeat, cumbia, tropifunk e demais remelexos oferecidos pelos dez músicos.



(coluna publicada hoje no Diário Catarinense)

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