20230307

Da pista nada se leva além de lembranças



Pois é, eu também não me lembrava mais do Warung até vê-lo reduzido a cinzas na quarta-feira homônima. Pior: eu não sabia nem que ele ainda existia. Tudo bem que nunca fui parâmetro para medir sua fama, pois só estive lá uma vez, a trabalho. Houve um tempo, porém, em que quase todo catarinense o conhecia, nem que fosse apenas de nome. Foi mais ou menos de 2007 a 2017, quando toda semana algum DJ número-1-do-mundo se apresentava por aqui.

Nesse período, passaram pelo estado Carl Cox, Fatboy Slim, David Guetta, Tiësto, Paul van Dyk, Infected Mushroom, Dimitri Vegas & Like Mike e Hardwell, para citar apenas alguns dos estrangeiros mais incensados nas listas gringas de melhores em seus segmentos. Se for para acrescentar brasileiros a esse line-up, não fica ninguém de fora. Nenhum rótulo musical trouxe tantos artistas no auge para cá como a eletrônica – graças ao Warung e similares. De Florianópolis a Itajaí, a fritação não tinha fim.

Inaugurada em 2002, a casa itajaiense de frente para o mar na praia Brava tornou-se um dos marcos de um circuito que incluía superclubes, festivais, agências, live acts e até uma revista especializada – todos premiados nacional e/ou internacionalmente. Estrutura profissional, grandes atrações e público interessado faziam de Santa Catarina um polo de música eletrônica. Não acompanho para dizer como está hoje, mas desconfio que o movimento já foi bem mais forte por estes lados.

A sensação que tenho é de que a eletrônica saiu do gueto, cumpriu todas as etapas da popularidade e voltou para a sua tendinha. Primeiro, era a novidade, o moderno. Daí cresceu tanto que começaram a existir “rave sertaneja”, “rave gótica” e demais variações alheias à essência que sedimentou o termo, enquanto as raves originais ganharam o status de megaeventos. Depois, virou som de mané que bota o volume no talo para a praia inteira ouvir. Por fim, diluiu-se como qualquer outro estilo.

Por que deveria ser diferente? Não é o que acontece com todo tipo de música que faz sucesso? Que fim levou Robin? Techno, house, trance e outras vertentes continuam sendo produzidas e consumidas, embora sem o impacto comportamental e comercial que um dia (ou uma noite) tiveram e beleza, ninguém que gosta de derreter na pista vai se importar com isso. A mesma massificação que tirou a eletrônica do nicho a descartou pela batida seguinte – é do jogo.

A bola agora está com o funk. Que, ora veja, é música tão eletrônica quanto a que colocou Santa Catarina na rota dos maiores DJs e incendeia qualquer ambiente com o fogo que pode manter a cena local de pé. Não estou querendo insinuar nada.

[Faixa-bônus]

As poucas informações acima foram extraídas de uma reportagem que escrevi em 2015 para o Diário Catarinense. A matéria trazia ainda uma relação de cinco discos de música eletrônica para quem não gosta (só) de música eletrônica que cometo o descaramento de reproduzir abaixo:

Kraftwerk, The Man Machine (1978) – Como aquela banda de Liverpool que revolucionou o pop, os quatro rapazes de Düsseldorf levaram a música eletrônica a um novo patamar. Graças a esses alemães, o som feito somente à base de máquinas se desenvolveu a ponto de disputar mercado com artistas que usavam instrumentos “de verdade”. Este disco nem é um divisor de águas na carreira do grupo (a primazia cabe a Autobahn, de 1974), mas traz algumas de suas músicas mais emblemáticas, como “The Robots” e “The Model”.

New Order, Power, Corruption and Lies (1983) – Foi em seu segundo álbum que a banda inglesa deu adeus à sonoridade de sua encarnação anterior – o soturno Joy Division – e caiu de boca nos sintetizadores e baterias eletrônicas com que se consagraria nos anos seguintes. Aqui surge a matriz do techno, aquele ritmo bate-estaca presente em “586” e no clássico “Blue Monday” (lançada em single e depois incluída como faixa-bônus na edição do disco para os Estados Unidos). A influência do Kraftwerk também se faz notar em “Your Silent Face”.

The Chemical Brothers, Dig Your Own Hole (1997) – Se na estreia (Exit Planet Dust, em 1995) Tom Rowlands e Ed Simmons logo foram taxados como “os eletrônicos que todo roqueiro deveria ouvir”, no lançamento posterior a dupla atacou por um caminho diverso. Não, eles não se tornaram “roqueiros que todo eletrônico deveria escutar”, apenas rechearam seus beats com características do pop, como refrãos e (alguns) vocais. Prova disso é a lisérgica “Setting Sun”, calcada na beatle “Tomorrow Never Knows” e com Noel Gallagher (do Oasis) no microfone.

Fatboy Slim, You’ve Come a Long Way Baby (1998) – Antes de virar arroz-de-festa, Norman Cook esbanjou conhecimento musical para transformar electro e acid house em algo palatável às massas. Tem surf music (a estourada “Rockafeller Skank”), tem soul (a climática “Praise You”), tem lenha descendo forte no cabeção (a nervosa “Acid 8000”). Como descreveu uma revista gringa, botar essa belezinha para rolar é tipo ver TV: você vai zapeando até encontrar um programa interessante. Com a grande diferença que não irá querer trocar de canal.

Moby, Play (1999) – Em seu quinto disco, o americano uniu o blues e o gospel das décadas de 1940 e 1950 a bem sacadas batidas eletrônicas. O resultado alcançou o topo das paradas em diversos países, conquistou tudo quanto é prêmio e enriqueceu seu autor por meio do licenciamento de músicas para a publicidade. Play foi simplesmente o primeiro disco da história a ter todas as faixas (18!) veiculadas em propagandas. Fica difícil não comprar um produto anunciado com “Natural Blues”, “Bodyrock”, “Porcelain” ou “Find My Baby”.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

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