20220720

Repasse para todos os seus contatos



A mensagem entrou com aquela bandeirinha amarela. Era de um tal de Etevalo, seguida de um endereço eletrônico terminado em .ky. Pela sinalização (importante), nome (leia ao contrário) e origem do domínio (Ilhas Cayman), eu deveria deletá-la automaticamente. Mas eu tinha tanta coisa remunerada & atrasada para fazer em vez de abrir um email suspeito que não consegui resistir ao assunto: “Eles já sabem”.

Começava avisando que se eu a havia recebido é porque fazia parte de um seleto grupo de 22 formadores de opinião escolhidos “na vasta e árida planície da internet” para “acordar os compatriotas e (...) difundir a verdade que salva e que liberta”. Daí para frente, enveredava por uma linguagem críptica, um misto de profecia de Nostradamus, delírios provocados por opiáceos e tuítes do segundo zero presidencial.

Explicava – ou tentava explicar – que o número não era à toa, pois carregava toda a responsabilidade cabalística de substituir O Louco pelo regresso à luz, sintetizado pelo axioma “o conhecimento supremo é bem-aventurança”. Enrolava mais um pouco, identificando-se como “depositário dos segredos da quíntupla constelação que resplandece eivada de condecorações eréteis”, e enfim chegava ao ponto.

De acordo com o remetente, “eles descobriram como fraudar as urnas eletrônicas”. Sem maiores detalhes, revelava que as dúvidas quanto à segurança da tecnologia não passavam de uma estratégia das FFAA para que oposição e “extrema-imprensa” defendessem a inviolabilidade do sistema. Assim, quando o governo vencesse com uma votação consagradora, “o resultado não poderia ser questionado por ninguém”.

Continuava a narrativa afirmando que preferia ser visto como “um Calabar que nunca se traiu a compactuar com a desídia do ofidiário que prometeu um avatar para liderar as tropas do Oeste no triunfo sobre o globalismo e chocou um roedor pusilânime”. Para encerrar, deixava outro enigma: “Enquanto Ratanabá se descortina em fumaça, a civilização perdida de Dacuebão se prepara para emergir”.

Apesar do desfecho típico da desinformação voluntária – “repasse sem dó para todos os seus contatos”, acompanhado de bandeiras nacionais –, era uma teoria conspiratória tão sofisticada que merecia algum crédito. Ao mesmo tempo, era tão primária que não fazia sentido algum, o que também não garantia sua impossibilidade na inverossimilândia que este ex-país se transformou.

Pelo sim, pelo não, encaminhei para Anitta.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

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