20220725

Vai se criando um clima terrível



De intolerância em intolerância, vai se criando um clima terrível. A vítima mais recente é uma moça que disse não apreciar “shows que falam sobre política”, citando Rogers Waters como exemplo. Foi o que bastou para ser ridicularizada inclusive por gente que até outro dia acreditava que Pink Floyd era uma pessoa. Ela ainda tentou consertar, explicando que não estava se referindo às letras, e sim a artistas que resolvem “fazer do show um momento de propaganda política”. Mas aí o estrago em seu superego já estava feito.

Pois eu me solidarizo com a autora da postagem equivocada. Não entendo o porquê de tanta raiva contra tudo, menos contra a máquina. Que atire o primeiro adesivo da Lava Jato quem nunca, por alguma graça misteriosa, achou que um ídolo se comportaria de outra maneira e ficou desapontado quando ele agiu exatamente da forma que sua obra, seu histórico e suas declarações indicavam que fosse agir. Eu mesmo tenho um vasto rol desse tipo de – como se chama no mundo dos adultos – frustração no currículo.

Uma das primeiras derrotas do meu pensamento mágico para a realidade aconteceu com o filme The Doors, em 1991. Assim que entrou em cartaz no cinema que hoje é uma igreja evangélica lá estava eu, ansioso por alimentar a fé no rock. Logo na abertura, os acordes iniciais de “Riders on the Storm” me levariam ao êxtase pelas duas horas seguintes. Tudo o que eu queria era viver à imagem e semelhança de Jim Morrison. Pouco antes de a sessão acabar, os fatos jogaram areia nos meus planos [alerta de spoiler]: o cara morre no final!

Sofri mais um golpe parecido em 1995, na festa de lançamento do disco de estreia do Planet Hemp. Recém-chegado a São Paulo, eu me surpreendia por figurar entre os convidados para a boca livre da gravadora, por esbarrar com alguma celebridade a cada passo no recinto, por Frejat ter falado comigo (“com licença”). Nada, porém, me chocou mais do que ver uma banda com o nome de Planeta Maconha, que defendia a erva em suas letras e batizou seu álbum de Usuário subir ao palco com um bong gigante.

Isso apenas no campo da música, porque se abrir o leque os casos de desengano são infinitos – como a vez em que sentei em uma churrascaria com desejo de sushi, lasanha e estrogonofe e o menu se limitava a espeto corrido. O único que não só confirmou como superou todas as expectativas é o presidente danação. Eleito com a promessa de ódio e destruição, jamais cogitou transformar em unificação um mo(vi)mento que nasceu para ser de segregação. Estamos sobrevivendo a isso e tem sido uó.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

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