20230220

A falta que faz um espaço para a alienação



Tomara que a Casa Branca esteja mentindo ao negar que os OVNIs abatidos recentemente por lá sejam alienígenas. Porque é tudo o que a gente precisava para deixar de lado as xaropices que envenenaram corações e mentes na última década. Na era das redes sociais, da polarização e da convivência com a extrema direita, só a aparição de extraterrestres pode fazer o mundo se unir em torno de uma causa, ainda que não necessariamente pacífica.

A hipótese de não estarmos sozinhos no universo intriga a humanidade desde que o primeiro homem olhou para o céu em busca de respostas para as dúvidas não elucidadas pelo parco saber disponível. O que nem a religião, nem a magia conseguiam explicar era atribuído a seres de outros planetas. A evolução nos tornou um pouquinho menos tolos, mas não diminuiu o fascínio diante do maior mistério guardado pela imensidão acima de nossas cabeças: a existência de vida fora da Terra.

Coube à arte, mais do que ao progresso da ciência, manter a questão sempre acesa no imaginário popular. Minha lembrança mais precoce disso é ET, que vi quando estreou no Brasil no final de 1982 em um cinema da praça Sáens Peña, no Rio, onde eu estava de férias com meus pais. Jamais uma criatura tão feia havia despertado tanta empatia. Crianças e adultos saíam da sessão sonhando em encontrar um amigo como ele, não importava se era algo plausível ou não.

Crescer trouxe novos desafios à fantasia. Eu não entendia por que os aliens sempre se pareciam com versões grotescas de humanos, vinham de civilizações mais avançadas e pousavam em Nova York, Califórnia ou na Europa. Mais uma vez, a ficção me socorreu. Apesar do predomínio da representação antropomorfizada, comecei a descobrir filmes, quadrinhos e livros que levavam a temática para uma dimensão ulterior – a começar pelo surgimento de gosmas, amebas e monstros do espaço.

A costumeira superioridade tecnológica (e moral) deles foi desmontada por Verissimo em uma crônica no qual os invasores se surpreendem com a roda e a eletricidade. Na comédia Marte Ataca, os visitantes se mostram uns pilantras sem caráter. Em outro longa, Distrito 9, os “camarões” estelares não apenas chegam à África do Sul como são confinados em um campo de refugiados que em nada difere de uma favela. Os exemplos são infinitos, eu é que não sou muito ligado nessa onda.

Meu interesse não vai além da curiosidade, sem pensar se acredito ou não. No Brasil mesmo, para cada ET Bilu [autor do conselho pichado no muro da foto que ilustra esta edição] há incontáveis ocorrências registradas no Sistema de Informações do Arquivo Nacional. Eu queria que os trecos alados derrubados nos Estados Unidos fossem interplanetários não para deflagrar uma guerra, e sim para mudar de assunto e me [perdão pelo trocadilho involuntário] alienar em definitivo.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

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