20230218

Como passar vergonha com inteligência (artificial)



A febre agora é pedir para o ChatGPT escrever alguma coisa e expor os resultados para mostrar o quanto somos mais espertos, criativos e descolados do que a inteligência artificial. O mais recente adepto foi o biógrafo Lira Neto, que reproduziu em sua coluna em um jornal a conversa que teve com a engenhoca. Pelas respostas, não temos nada a temer. “Por enquanto”, alerta o robô.

Apesar de ser meio patética a insistência em forçar o próprio mecanismo a reconhecer suas limitações, o diálogo revela algumas vantagens incontestáveis. Primeiro, que jamais se deve perder a oportunidade de humilhar uma máquina, por mais que ela admita que “ainda carece de humanidade e personalidade” – e quem nunca bateu boca no telefone com um atendimento automatizado que exija diploma de monge.

Segundo, que para tarefas específicas como petições, conteudismo em geral e demais serviços primários de redação, o chatbot é, sim, bem cumpridor – considerando que qualquer símio pode ser treinado para fazer o mesmo. O que leva ao último e não menos importante benefício: todo profissional da comunicação que use a ferramenta para preencher o espaço para o qual o patrão lhe paga merece aplausos.

Confesso que também já recorri ao ChatGPT para cumprir este compromisso semanal com as assinantes. Embora não receba nenhum tostão para desovar um texto aqui às terças, pensei que seria uma boa ideia entretê-las com pérolas de sabedoria produzidas pelo mecanismo. Se rendesse algo que eu assinaria, ficaria quieto. Se não funcionasse, denunciaria a farsa como uma prova inconteste da superioridade humana. Cá estou.

Foi na edição sobre a volta dos Titãs. Depois de três questões genéricas com respostas idem, perguntei qual era o disco deles mais bem-sucedido no mercado. “(...) Cabeça Dinossauro de 1986, que vendeu mais de um milhão de cópias e alcançou o primeiro lugar nas paradas de sucesso. Este disco inclui algumas das músicas mais conhecidas e populares da banda, incluindo ‘Epitáfio’, ‘Flores’ e ‘Eu Não Peço Desculpa’”, informou o dispositivo.

— Nenhuma dessas músicas é do disco Cabeça Dinossauro — avisei.

— Desculpe, você está correto. (...) O álbum Cabeça Dinossauro inclui músicas como “Será”, “Polícia”, “Não Vou me Adaptar”, “Enquanto Houver Sol” e “Bichos Escrotos” que se tornaram clássicos e foram bastante popular (sic) entre o público e crítica.

— Você continua errada.

— Eu sinto muito pelos erros cometidos, estou sempre aprendendo e me atualizando. (...) As músicas que fazem parte desse álbum incluem “Alô”, “Televisão”, “Os Cegos do Castelo”, “Cabeça Dinossauro”, entre outras.

Antes de desistir, meu espírito de porco falou mais alto e eu quis saber por que Marcelo Fromer não havia sido chamado para o retorno do grupo. “Não tenho informações precisas sobre as razões exatas pelas quais ele não foi convidado (...). Pode ser que existam desentendimentos ou divergências artísticas ou pessoais que impediram o convite para o retorno de Marcelo Fromer”, chutou.

Parei por aí. Até sentiria pena da pobre coitada (perguntei seu gênero, disse que era indefinido), se ela se importasse com isso e eu não estivesse tão satisfeito em descobrir que a inteligência artificial ainda tem que evoluir muito para chegar aos pés da minha burrice natural. Não aproveitei uma linha do que obtive. Minhas falhas, pelo menos, são orgânicas e originais. Não preciso de tecnologia nenhuma para passar vergonha.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

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