20230219

Um case pronto para virar bench



Só dá Santa Catarina. De uma semana para cá, o estado foi notícia pela cassação da vereadora de São Miguel do Oeste que acusou apoiadores de Borsalino (© Madonna) de terem feito uma saudação nazista durante vigília em frente à base do Exército na cidade. Pelo piloto de avião blumenauense condenado por xenofobia ao xingar nordestinos em uma rede social. Pela importação de um olavista detrator do carnaval (entre outros atributos) para chefiar a fundação de cultura.

Se o recorte for mais para trás, a lista envolve violência, preconceito e ignomínia nas mais esdrúxulas combinações. Fora as barbaridades corriqueiras circunscritas à mídia de massa local por não serem grotescas o bastante para interessar ao país. É quase todo dia alguma vergonha diferente deflagrada pelo mesmo motivo: uma mentalidade de extrema direita que, ao se descobrir maioria, abandonou de vez o verniz civilizatório com o qual se disfarçava de conservadorismo.

Que saudade do tempo em que Santa Catarina era apenas um lugar pitoresco no mapa do Brasil. Salvo exceções que confirmam a regra, ninguém de fora (e muitos de dentro) conseguia citar um nome catarinense da política, das artes, da ciência ou do esporte. As primeiras coisas que lhe vinham à cabeça eram Florianópolis, Guga Kuerten ou a Oktoberfest. E então tudo mudou. O estado passou a ser conhecido – e ridicularizado, detestado, boicotado.

A gente revelava onde nasceu a um paulista, um carioca, um baiano, e um sorrisão se abria, seguido de uma imitação de gaúcho, pois até nosso sotaque era ignorado. Hoje você diz que é catarinense e recebe um olhar de desconfiança, como se admirasse aquele empresário que instala estátuas da liberdade na frente de suas lojas de quinquilharias chinesas ou fosse parente daquela idosa que se orgulhou por deixar o STF tão imundo quanto a ficha criminal dela.

O governador que se elegeu com os votos desse eleitorado e, a exemplo de seu colega de São Paulo, está abrigando na máquina estadual o entulho das trevas derrotadas no pleito federal, também não ajuda em nada a desfazer essa imagem. Fosse ele, eu começaria a trabalhar imediatamente para reposicionar Santa Catarina no imaginário nacional. Nem é preciso trair seus ideais oportunistas, basta criar uma agenda positiva que, pelo menos no apelo, pareça “desideologizada”.

Aproveitaria que o verão está bombando e organizaria uma competição com estudantes do ensino fundamental da rede pública. Cada turma escolheria uma praia para analisar as condições da água com microscópios emprestados pela secretaria de educação. A que detectasse a maior quantidade de coliformes fecais poderia ficar com o equipamento em definitivo. Iniciação científica, conscientização ambiental e promoção do turismo em uma tacada.

De carona na popularidade do beach tênis, investiria na criação de outra modalidade a ser disputada na areia: o beach curling. Não que neve seja problema para nós, mas somos tão generosos e democráticos que inventamos uma variante que pode ser praticada por toda a família sobre uma superfície mais comum, apta a ser reproduzida em clubes, estacionamentos e terrenos baldios de outros estados. Mais que atletas, formaríamos cidadãos com espírito coletivo e companheirismo.

Aí quando o filme de Santa Catarina estivesse menos queimado e a opinião pública catarinense mais domesticada, o governo – ou a iniciativa privada, mediante polpudos incentivos fiscais – patrocinaria uma reedição do Fórum Social Mundial aqui. Realizado no Sul da Ilha, o evento traria personalidades para debater temas como a emergência climática e o pós-capitalismo com um viés mais gratiluz do que progressista, encerrando-se com um show de Manu Chao.

Tenho muito mais ideias fáceis, baratas e eficazes para que Santa Catarina volte a gozar da simpatia dos brasileiros ou, na pior das hipóteses, seja lembrada apenas como um destino de férias. Caso alguém com poder, dinheiro ou influência esteja lendo isso e queira viabilizá-las, aviso que aceito pagamento em cash, pix ou depósito bancário. Não trabalho com permuta. Parcelo em três vezes e à vista dou desconto de 5%. Com nota fiscal tem uma taxinha extra.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

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