20220208

Ensaio sobre a indiferença



Tem horas que bate um desânimo. Tipo todas. Agora mesmo, diante desta tela em branco, um vasto menu de temas se oferece para o debate. Cultura, saúde, comportamento, arte, ciência, política, esporte, segurança, tecnologia: basta escolher e passar vergonha. Chegou-se a um ponto em que, parafraseando a cada vez maior Dilma Rousseff, quem está certo ou quem está errado, nem quem não está certo nem está errado, vai estar certo ou errado. Vai todo mundo estar errado.

Antes que algum asquelminto em busca de empatia reversa tire a brilhante conclusão de me cancelar, já aviso: não estou relativizando poha nenhuma. Há discussões em que todo mundo vai estar errado porque o simples fato de entrar nelas já é um erro – seja o erro puro, cabal, que parte de uma premissa completamente equivocada (“vacina não funciona”); seja o de fazer com que esse lado errado caia na real (“compare o número de mortes antes e depois da vacinação”). Vai fundo, guerreiro.

E há discussões que pelamor.

Daí a minha total falta de saco para com os assuntos do momento. O bom é que nada dura muito e logo aparece outra bobagem para alugar geral. O ruim é que o que deveria durar muito também logo é superado por alguma outra babaquice. O pior é não saber mais discernir uma coisa de outra e gastar a mesma energia (no meu caso, nenhuma) com ambas. Tudo, do mais grave ao mais trivial, tem a importância medida pelo tempo que consegue figurar entre os trending topics.

Eu ainda estava assimilando a relevante polêmica sobre comemorar ou não a morte de um lazarento quando fui atropelado por uma série de questões mais perecíveis do que as projeções para o PIB nacional. Pode cantar aquela música? O menino de quase 30 anos precisa se livrar do pai para amadurecer? O PR (risos) é porco mesmo ou é assim que ele e os zeros ao seu redor enxergam o brasileiro? Fulano vacilou no reality show? A funkeira irá conquistar o mercado internacional deixando de ser funkeira?

Longe de mim duvidar da pertinência de cada uma dessas perguntas, apenas não me interessam – e muito menos suas respostas. Não por gosto, afinidade, ideologia, ética ou estética: é só indiferença. Um descaso que, se eu não me policio, acaba fazendo com que o lançamento de NFT de calcinhas receba de mim atenção equivalente ao assassinato de um pobre imigrante congolês enganado pelo mito do país cordial. Acredito que isso não aconteça somente comigo, o que é mais triste.

Que bosta a gente virou.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

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