20220501

O patético e o lúdico entram em um bar



Se houver alguma atividade mais cansativa e inútil atualmente do que se informar, me avise para eu me sentir menos trouxa. A quantidade de tempo e energia que gasto lendo, ouvindo e falando sobre nada vezes nada daria para fazer todas as coisas que eu adio para um dia que nunca chega. Agora mesmo, enquanto batuco o teclado, as atenções são disputadas por dois temas – ambos absurdamente sacais.

Um deles é a crise ensaiada entre os três poderes, provocada por um Executivo disfuncional, um Legislativo oportunista e um Judiciário esquizofrênico diante da aberração que ajudou a criar, todos sob o arreganho dos militares. O fato de se esperar que as Forças Armadas exerçam um quarto poder imaginário [pega aqui no meu Moderador e balança] já dá uma amostra do nível do debate. Quanto mais tumulto, melhor para eles.

O outro é a catarse pela compra de uma rede social por um bilionário. A direita comemora a volta (sic) do seu conceito muito peculiar de liberdade de expressão. Como se já não pudesse defender o retrocesso com selo de verificação. A esquerda teme o ambiente tóxico que o negócio deve virar. Como se outro dia não estivesse problematizando os sorvetes que uma moça ganhou do pai. Seja de que lado vier, o dinheiro vai para o mesmo bolso.

É tudo muito chato. Chega disso. Basta. Fique com esta historinha real, que me foi contada por uma pessoa que respeito e admiro não apenas como profissional. De certa forma, tem até a ver com o clima reinante, mas de um jeito lúdico – ou patético, conforme a vontade de se iludir:

Essa pessoa trabalha em uma agência que foi contratado por um empresário para administrar suas redes sociais. O produto era ele mesmo: uma persona digital a ser desenvolvida considerando perfis, estratégias e métricas. O que fazia, se fazia bem ou se tinha se destacado em alguma área não importavam, problema seria se não pudesse pagar. Haveria um propósito, embora ninguém soubesse qual.

O planejamento inicial previa 20 postagens, nas quais ele se apresentaria como um cidadão apolítico, com opiniões genéricas sobre economia e desenvolvimento. O conteúdo seria impulsionado para usuários com posicionamentos igualmente vagos, em intervalos determinados pelas estatísticas de maior engajamento. O cliente assistiu ao pepetê sem esboçar emoção e ficou com uma cópia (impressa) para analisar o material com calma.

Na semana seguinte, ele retornou. Sempre muito cordial, muito educado, disse que talvez o briefing não tivesse deixado claro que ele era low profile e não queria se comprometer. Que entendia a assertividade das colocações sugeridas, mas preferia uma linguagem mais neutra. Que não pretendia aborrecer seus seguidores com polêmicas que contribuem para aumentar a polarização da sociedade. E foi reprovando os posts, um por um.

Rejeitou um que revelava seu time do coração. “Não quero me expor.” Vetou seu único brilhareco, a participação em um seminário qualquer. “Não quero me autopromover.” Quase no final, elogiou a ideia de passar uma imagem de descontração usando o pet da família para humanizá-lo, era “só mudar a foto e o texto que ficaria top”. Deixou o único que havia aprovado na íntegra por último. “É isso que eu quero.”

Era um #tbt.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

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