20211110

O que aprendi com a política



Na noite de 8 de novembro de 2019, eu estava no salão de um restaurante de uma cidade próxima à fronteira com a Argentina para mais uma agenda de trabalho. O partido promovia um encontro regional com dirigentes, vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, pré-candidatos e ex-ocupantes de cargos eletivos. Do menor ao maior, eles se revezaram no microfone para destacar o comprometimento da legenda com a democracia, louvar realizações de correligionários e reafirmar sua confiança na vitória nas eleições do ano seguinte. Nenhum pio sobre o que havia acontecido no final de tarde.

Às 17h40 daquela sexta, Lula era solto depois de 580 dias em uma cela especial com 15 metros quadrados isolada no último andar da sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde cumpria pena superior a 12 anos por corrupção e lavagem de dinheiro. O petista devia a liberdade à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de permitir que condenados só fossem presos com o trânsito em julgado, ou seja, esgotados os recursos judiciais. Pelo placar apertado de 6 votos a 5, a Corte alterava a jurisprudência que, desde 2016, autorizava prisões logo após a condenação em segunda instância.

Nem uma simples alusão, uma saudação, um protesto, um gracejo, nada: em uma reunião de políticos para falar de política os oradores conseguiram discursar por mais de quatro horas sem mencionar o maior fato político do dia, quiçá do ano. Para eles e para a plateia que ouviu tudo à espera da maionese que seria servida na sequência, importava (em ordem aleatória) garantir emendas, selar acordos, arrancar promessas, cavar um lugar na chapa, arrumar um emprego, tirar selfies, postar. A realpolitik atropelava qualquer idealismo, qualquer ideologia.

Ali, no mundo de boletos, salários, aluguéis, empréstimos e dívidas, a política se desenvolvia a varejo, atendendo a demandas práticas com resultados imediatos e recíprocos. Lula, a Vaza-Jato ou mesmo Moro e Jair não passavam de abstrações que interessavam somente a uma minoria privilegiada por ainda ter senso crítico. Essa foi uma das lições que aprendi em um meio que já pagou por meu tempo e meu ofício em cinco ocasiões – da direita à esquerda, sempre como indicação técnica, como convém a um profissional não vinculado a nenhum partido. Aqui vão outras:

Quem tem cargos, tem prioridade. Nada tem capacidade maior de atrair aliados, conquistar apoios e mobilizar militantes do que cargos. E só quem tem cargos a distribuir é quem tem mandato ou controla feudos governamentais. Pode ser um reles vereador ou um secretário do primeiro escalão: durante seus quatro anos no exercício da função, ele será mais útil para o partido do que um ex-governador ou ex-senador.

Quanto mais pessoas lhe deverem favores, melhor. É uma consequência direta da situação anterior: um dia você dá para no outro poder pedir. Cargos, verbas, indicação, carona, um cigarro, o escambau. O político que se norteia por esse mantra nunca é abandonado na beira da estrada, porque sempre haverá quem se sentirá com a obrigação moral de lhe estender a mão – principalmente quando ele estiver sem mandato.

Comissionado bajula, terceirizado fala a verdade. Está implícito no contrato de cada pessoa lotada no gabinete de um político que sua função primordial é puxar o saco dele. Quando está disposto a pagar – sempre com dinheiro público – para ouvir que está errado, ele vai buscar uma consultoria externa. De preferência, prestada por alguém que possa ser enquadrado no item anterior.

Tem bastante gente bem-intencionada e preparada. A criminalização da política reforçou a crença generalizada de que todo o político é bandido. Não é verdade. De progressistas a conservadores, há muitas pessoas que entendem de políticas públicas e entraram nessa com o firme propósito de construir uma sociedade melhor. O problema é que elas sempre perdem a vez para especialistas nos tópicos anteriores.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

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