20211027

Tão cult quanto um chucrute



Finalmente saiu o filme daquela banda de malucos. Demorou, tem cada história que o pessoal acha que é mentira. Hoje dá para dizer, fácil, que eles estavam à frente do seu tempo. Que mané Velvet Underground! O papo aqui é Queremo Róque!, documentário sobre os 30 anos da banda Repolho, que estreou dentro da programação do Festival de Cinema de Chapecó e tomara que continue disponível em alguma plataforma de streaming.

Para quem não está ligando a verdura ao artista: Repolho é um grupo chapecoense, surgido em 1991 em torno dos irmãos Roberto (vocais) e Demétrio Parnarotto (guitarra), mais Anderson Gambatto (bateria). Vários baixistas e até um perfomer completaram a formação até 2010, quando lançaram o último de seus quatro discos. Nenhum deles vive de direitos autorais, mas o que – e onde e quando e como fizeram – o dinheiro não compra.

Graças ao Repolho, Chapecó (SC) cavou um lugarzinho na efervescente cena musical independente brasileira de década de 1990. Claro que pela música, um porco-pizza coberto por influências confessas de Graforreia Xilarmônica, Frank Jorge, Júpiter Maçã e Marcelo Birck, entre outros gaúchos tortos. E, principalmente, por tudo o que Queremo Róque! (pronuncia-se com o “r” fraco, como em “farofa”) mostra com carinho e sem saudade.

O projeto de um curta aprovado em edital municipal em 2019 virou um longa feito a partir do acervo da banda, com mais de 70 horas de vídeos de show, ensaios, gravações de discos, entrevistas e videoclipes, fotos, recortes e alguns cadernos velhos com as letras das músicas escritas à mão. Sabe-se lá o que o diretor Jivago Del Claro deixou de fora, porque os quase 90 minutos editados são fantásticos. A única coisa em ordem é a cronologia.

Sério, o resto é inacreditável, de tão absurdo. Roberto e Demétrio improvisando um acústico em um estúdio de rádio diante dos quatro Los Hermanos atônitos. O show feito logo depois do atentado de 11 de setembro, em que montaram duas torres de papelão no palco e dois integrantes vestidos de árabe as destruíam a cabeçadas. A plateia urrando o refrão que batiza um dos clássicos da banda, “Porcona”. As gambiarras. O contexto.

Nada supera, porém, as aparições nas TVs locais. Na mais surreal delas, um Roberto vestido de paletó xadrez amarelo dedilha um violão feito com um latão de tinta e bate em um atabaque enquanto grita algo semelhante à música, para mal-estar das apresentadoras em seus tailleurzinhos. A “colonagem cibernética” do Repolho resumida em um programa da conservadora “capital do oeste catarinense” gravado em VHS: choque, ironia, caos e, acima de tudo, descaramento.

Ou, conforme as reportagens abusavam de repetir, irreverência. O substantivo devia se aplicar no caso do Repolho não apenas como sinônimo de besteirol, e sim em sentido literal, a falta de respeito – com o estabelecido, com a ideia de bom gosto, com os limites do que é música, consigo mesmo. “Dizem que o que é bom dura pouco. A gente está aí até hoje para provar que o Repolho é ruim mesmo”, provoca Roberto no final do documentário.

PS: Em 1994, ao escrever para o meu fanzine sobre Repolho e a Horta da Alegria, a primeira fita demo profissional da banda, lasquei um “periga virar cult”. Para mais dicas proféticas, procure-me nas redes sociais.

(Extraído da newsletter Extrato. Assine já e garanta o seu exemplar antecipado todas as terças!)

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